Julho: os monges beneditinos festejam o seu Patriarca.
O mês de julho tem uma grande importância para o monaquismo ocidental, pelo fato de que se celebra a festa do abade São Bento, nascido na Itália, em Núrsia em 480 e morto em Montecassino em 547. Considerado pela Igreja como o organizador e Patriarca dos monges do Ocidente, e ainda proclamado pelo Papa Paulo VI em 24 de outubro de 1964, como Padroeiro da Europa.
O contexto histórico no qual se insere a vida deste santo homem, “Bento tanto pela graça como pelo nome”, tal como nos relata seu principal biógrafo, o Papa São Gregório Magno no livro dos Diálogos, se constrói depois de um forte declínio moral e cultural da civilização romana, para a qual ele abre um novo caminho de civilização à Europa, partindo de convicções cristãs sólidas sob o impulso de uma vida litúrgica e fomento à cultura geral, em que os monges com seu canto e zelo missionário vão evangelizam diversas cidades, países e continentes.
Através de uma revitalização da liturgia, a partir da valorização do cantochão, ou seja, do cantar das populações de crentes, a vida monástica vai compondo simples melodias (sete tons mais um chamado peregrino, com algumas variações de terminações), de modo a revitalizar todo o serviço de Opus Dei, ou seja de um louvor Divino.
A vida dos mosteiros beneditinos, alicerçou-se a partir de então como uma “escola do Serviço do Senhor”, uma designação clássica apresentada pela regra de Bento (escrita sob o impulso da experiência de vida, portanto a posteriore). No mosteiro, o monge não só, rezava vivenciando um nobre e belo louvor divino, mas também se alimentava espiritualmente da Palavra de Deus, o que na tradição, desde então, deve ocupar um grande espaço de tempo cotidiano do monge, como suaLectio Divina.
Para São Bento o monge tem que buscar um equilíbrio na relação com seu tempo diário, compreendendo issouma aplicação especial ao trabalho, que para o santo abadeos qualificaria “como verdadeiros monges se vivessem dotrabalho de suas mãos”, de acordo com o escrito na sua santa regra de vida.
Aliás, nosso santo faz uma grande revolução na concepção e nas relações de trabalho, que na alta idade média eram expressão de uma profunda exploração da nobreza sobre as classes mais pobres, em que através das relações feudais de dependência as pessoas tinham que trabalhar sendo exploradas ao máximo, recebendo em troca um parco alimento e a condição de proteção por detrás dos muros dos feudos, dentro de uma dinâmica de exploração do tempo de atividade, que consumia praticamente o tempo todo, como uma maneira das pessoas se purificarem de uma visão penitencial que na logica da exploração só com o trabalho poderia ser expurgada. O trabalhar era, portanto a preconcepção de uma penitência que buscava no livro do gênesis (de agora em diante terás que viver do trabalho de suas mãos, seja uma condenação às populações em geral, tal como uma aproximação do senhor feudal e dos reis como uma imagem divina).
Em São Bento, com sua visão humanizada do trabalho, como fonte de satisfação para a vida, temos uma ruptura com esse esquema viciado de interpretação viciada do texto bíblico. Ele organiza a vida do monge como uma dinâmica diária de aproveitamento de suas potencialidades e habilidades, o que conferia ao trabalho uma interpretação de valorização da pessoa e do seu agir. Assim, ele estabelece uma relação de equilíbrio e igualdade dentro dos mosteiros, onde os monges com seu esforço e empenho gozavam igualmente dos bens produzidos. Foi assim que nosso santo redimensionou a visão do trabalho, cristianizando-a, alcançando, por conseguinte a apreciação de inúmeras quantidades de pessoas, o que se pode inferir como uma das explicadas razões pelas quais os mosteiros foram se popularizando e aumentando em número de membros, a ponto de pais doarem seus filhos para o mosteiro, conforme nos relata a Regra Beneditina. Entretanto, podemos imaginar o quanto isso não desagradou aos senhores feudais e reis, mas que enquanto obra de Deus, Bento logra êxito, inclusive já marcando o inicio do fim do feudalismo, que ainda resistiu muitos séculos. Essa foi a revolução beneditina que transformou a cultura da vida europeia.
A vida no mosteirotem que ser uma busca por um equilíbrio na fraternidade. É preciso que se dê uma especial atenção ao necessário clima de caridade, através de um recíproco serviço de amor fraterno. Assim, na caridade o monge sedimentava sua vida com um intenso e feliz desejo por viver em comunidade. Eis aí o modelo de uma estruturação de vida comunitária que serviu como uma lição para a sociedade, confirmando, portanto ser a vida monástica uma verdadeira escola,que alicerçou valores e virtudes cristãs, sob as as divisas beneditinas de um Ora et Labora (oração e trabalho).
Naquilo que tange a este dia da celebração, que não foi o da sua morte (seu trânsito para a eternidade ocorreu a 21 de março), mas que desde a alta Idade Média já era festejado em muitos lugares, como uma memória litúrgica, podendo ser celebrada com toda solenidade, rompendo assim com os limites e resguardos do tempo quaresmal. Aí a origem da festa.
Assim, no dia 11 de julho, nós monges, presentes em todos os continentes do mundo, celebramos nosso Abbá, com toda uma solenidade que nos une a Deus como um serviço de oração por toda a Igreja.
No dia 12 de julho, celebramos o dia de São João Gualberto, nascido entre 995-1005 em Florença e morto em 1073 na Abadia de São Michele di Badia a Passignano. Ele se destacou por perdoar o assassino do seu irmão, o que lhe arrancou um título de herói do perdão. Se pode dizer que foi um dos monges que revitalizou a vida monástica na Toscana, erguendo muitos mosteiros, revitalizados por uma vida comunitária de grande observância, todos regidos pela vida monástica da célebre e milenar Abadia de Valombrosa, que a mil metros de altura, eleva ainda hoje seus louvores a Deus, em meio aos bosques no centro dos montes Apeninos.
A propósito, São João Gualberto foi declarado pelo Papa Pio XII como o padroeiro das Florestas da Itália e dos guardas florestais, tal como aqui no estado de São Paulo, onde no Horto Florestal, na Serra da Mantiqueira foi entronizada uma belíssima estátua em mármore de Carrara que a Abadia de Valombrosa presenteara aos monges, Igreja e governo estadual.
Foi um dos muitos santos da Ordem de São Bento, que a partir de sua experiência comunitária na Toscana – Itália, revitalizara a vida monástica, corrompida pelo crime canônico da Simonia (venda e compra de coisas Sagradas) e pela heresia doNicolaísmo ( resistência e negação ao celibato clerical). Neste sentido este santo foi um incansável defensor de uma Igreja pura e santa.
Assim, este santo revitaliza as santas observâncias eclesiásticas, influenciando todo um período da historia da Igreja, desde o século XI, com a relaxada disciplina do clero, sedimentando-lhe valores, virtudes e renovação espiritual, revitalizando, por conseguinte a vida da Igreja Toscana, a partir da Abadia de Valombrosae posterior se estendendo a territórios franceses, chegando no século XIX ao Brasil e Índia.
D. Robson Medeiros Alves OSB
Prior do Mosteiro de São João Gualberto